sábado, 2 de maio de 2015

sobre o (meu) lado que ninguém vê

Embora qualquer um possa afirmar hoje em dia que eu não sou uma pessoa muito apegada a família, que eu não conseguiria passar sequer um dia inteiro dentro da casa da minha mãe, eu não os considero errados e nem os culpo por pensarem assim. Não me entendam mal, não é que eu tenha problemas com a minha família (não agora) e que não gosto deles, claro que gosto, mas é que eles, juntamente com muitas outras pessoas, não fazem mais parte do meu cotidiano. E embora eles sejam família, a gente nunca teve esse costume de fazer parte do cotidiano uns dos outros. Meus irmãos, de quem sou mais íntima, todos eles, tem gostos distintos uns dos outros: estilo de música, de amizades, estilo de filmes, ou até mesmo interesses - o que nos une é tão somente tudo que vivemos no fato de sermos irmãos: nossas histórias de outrora e nossas lembranças. Fora isso podemos dizer que tomamos caminhos diferentes, buscando o nosso melhor, claro, e o melhor de nós todos foi cada um tomando o seu caminho. Então, podemos despreocupadamente passar dias sem ligar uns pros outros e não achar que isso é inadmissível, ou achar que iremos morrer se não soubermos o que o outro anda fazendo. A gente se liga esporadicamente e conversamos por horas a fio, mas nada de ligações diárias, por nenhum motivo aparente, apenas não temos o costume disso.

Tios, avós, primos que continuaram na cidade em que nascemos, então, raramente mesmo nos falamos, apenas quando estamos visitando Recife e passando na casa deles para pedir nossas respectivas bençãos. Mas eles não nos visitam nunca, e nós os visitamos quando podemos. Eles não nos ligam nunca, e a gente liga pra eles com menos frequência do que os visitamos, mas ligamos vez em quando. Acho que pra uma família que saiu da cidade natal nós até damos bastante importância a família, se pararmos pra analisar o retorno deles com a gente, no que se refere a buscar saber como estamos, mas claro, não precisamos dizer nada é óbvio que nos amamos, não nos desejamos mal, e gostamos de saber que está tudo bem e acreditamos também que se não estivesse seríamos notificados. Apenas como eu disse, ao contrário de muitas famílias, de amigos meus e conhecidos, não temos esse costume de fazer parte da vida uns dos outros.

Mas houve um tempo em que tudo era familiar, pelo menos pra mim. Antes de me mudar de Recife, tudo rodava em volta de todos que eu conhecia e que eram família. Acho que isso é devido às limitações da infância, você só está onde seus pais estão ou onde eles permitem que você esteja. E se eu pudesse lembrar de um canto que me remetesse a infância seria a casa dos meus padrinhos. Acho que tirando a minha casa, não haveria outro lugar onde eu tenha passado tanto tempo e me lembrar de tão bons momentos. Tendo isso como resposta imediata, lembro da vez que eu voltei lá em Recife, na casa do meu padrinho, pela primeira vez desde que eu tinha saído de lá (mais ou menos 7 anos depois). A memória lembrando e não lembrando de cada cômodo, era como se eu tivesse eles decorado na minha mente, mas no fundo não sabia ao certo se eles de fato existiram ou se eu os havia criado. E cada passo que eu dava adentrando aquela casa, que tinha sido um grande marco da minha infância, era como se eu quisesse sorrir imensamente, era como se eu me visse ali pequena e quisesse me auto-abraçar. Tudo continuava exatamente igual, a vida pode mudar muito para muitas pessoas, mas para outras elas continuam exatamente do mesmo jeito. E meus padrinhos pertenciam a esse grupo, onde tudo permanece no mesmo lugar, embora anos tenham sido atravessados, e isso de certa forma me ajudou bastante naquela hora porque tudo que eu pudesse lembrar estava ali do mesmo jeito esperando meu olhar mais maduro de anos de saudade.

Eu logo procurei ver todo mundo que me lembrava, queria ver os rostos depois de tanto tempo e todos haviam mudado, pelo menos fisicamente, o que ajudou a ver como o tempo passou pra todos nós e não só pra mim. Bebês que eu convivi quando tinha 6 anos, criancinhas que conviviam comigo e por quem senti os primeiros sentimentos de raiva, ciúme e amor (ás vezes os três ligados a mesma pessoa). Alguns lembraram de mim de cara, outros até hoje não fazem idéia de quem sou, mas falam comigo porque eu pareço saber bem quem eles são. Mas sempre foi um momento mágico voltar lá, e regredir um pouco dessa correria que é minha vida, quando eu estou lá eu sempre sou aquela mesma afilhada que costumava frequentar aquelas paredes a anos atrás. O amor está lá, sempre esteve e como a casa, sempre vai estar lá e nunca irá mudar.

Minha família de Recife é algo que ocupa grande parte do meu sentimento, eu amo a minha família, amo cada tio, minha avó, amo todos os primos que conheço e convivi, amo meus padrinhos e meu pai e isso é algo que não fica claro assim que alguém me conhece porque eu não falo deles. Não tenho histórias deles pra contar porque cresci em outro lugar, com minha mãe e meus irmãos somente, e as histórias que eu tenho deles ou são histórias que eu ouvi ou histórias que eu vivi em algum momento desses de breve visita. Mas qualquer assunto ruim sobre eles, me dá um forte e imediato aperto no peito, algo que eu jamais pudesse demonstrar facilmente, é como se fosse um sentimento tão profundo dentro de mim que eu nunca tivesse demonstrado pra ninguém e por isso eles conseguem machucar com tanta facilidade. Acho que, assim como tudo, eu acho que eles são eternos, que eles estarão ali pra sempre, pra sempre que eu for visitá-los, pra sempre que eu puder pensar em vê-los. Mas a vida me mostrou ano passado que não existe essa de pessoas eternas, e eu aprendi isso da pior forma, quando uma pessoa das pessoas mais eterna morreu. O Kin, me ensinou muito em vida e mais ainda na morte. E isso tem ocupado bastante a minha mente nesses dias em que descobri que meu padrinho está hospitalizado.

Pode até ser que ele não faça parte do meu cotidiano como quando eu era criança. Pode até ser que eu não ligasse pra ele frequentemente, nem ele pra mim, embora não precisássemos disso para saber que eu o amo e ele também me ama. Pode até ser que as minhas visitas não fossem tão frequentes assim como deveria, ou seria mais certo dizer, eram quase raras. Mas, eu não tive a oportunidade de me despedir do Kin, e não é querendo comparar nada, nem sentimento, nem situação, mas eu acho que não aguentaria não me despedir de outra pessoa eterna na minha vida. Claro que eu torço pra que ele melhore e viva mais um 100 anos, mas, caso a infelicidade venha dar as caras esse ano, eu gostaria de poder abraçar cada um da casa do meu padrinho e dizer a cada um o quanto eu me importo com cada um deles, e que a fatalidade doeu em mim também. Gostaria de poder pegar na mão do meu padrinho, mesmo com ele inconsciente e dizer que ele importa sim, e que claro que eu viajaria km pra dizer isso pra ele e agradecer cada momento em que ele esteve lá eternizando meus momentos.

E mesmo que eu use isso como uma desculpa pra viajar, mesmo tendo dito que iria dar um tempo pra SP me mostrar de novo que pode ser melhor pra mim, eu não posso matar essa vontade de ir lá me despedir dele, mesmo que depois ele quebre a minha cara dizendo que não precisava se despedir porque ele está novo em folha novamente. Prefiro que ele me diga isso depois de eu ter ido lá, do que ele não dizer mais nada e eu não ter ido lá expressar um pouco esse lado que raros conhecem, mas que pra eles não há outro lado em mim. É bem verdade que família é família, e mesmo distantes acho que somos bem unidos. Unidos do nosso jeito torto, mas é o único jeito que temos costume de ser.