quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

mutismo

dia desses, supermercado
tão dona de casa e do nariz,
escolhendo fragrância de sabão em pó pras minhas roupas de todo dia,
um cheiro que agradasse a quem se abraça
(nenhum abraço em especial em mente)

quando,
de repente,
assim sem mais,
entre músicas aleatórias e dispensáveis
tocou uma que
teria me feito chorar, se eu ainda conseguisse;
que me fez lembrar de você
- de você e de todas as histórias que a gente não viveu,
e de todo o hiato a que nos impusemos,
e da minha covardia em admitir que

eu só queria que você soubesse
que a minha maior vontade naquele dia tão impropício de adeus
era dizer que era tudo recíproco,
que eu não imaginava que você
fosse um dia pronunciar aquelas coisas todas.

e fiquei calada,
sentindo o cheiro da tua camisa,
cheiro bom de sabão e perfume e pele,
silêncio pesado,
apenas porque era doloroso demais lidar.

[a vida é feita de momentos estranhos,
pedaços pequenos de pequenos absurdos.]

e me fez lembrar como naquele dia,
(outro dia, bem depois)
eu quis te falar tanta coisa,
esclarecer, retomar, pedir desculpa,
mas era tão complicado
- tão absurdamente inexplicável -
que eu apenas respirei fundo e fingi
que nada tinha acontecido,
que o tempo tinha apagado todos os erros,
que era possível esconder a ponta de dor que despontava
porque pareceu mais fácil,
mas não era.

cheguei em casa
querendo que as coisas pudessem ter acontecido de uma outra maneira,
feliz ou triste, tanto faz,
contanto que apenas mais intensa,
menos velada.

só que
cada um com uma vida própria,
a vida tem vida própria,
e a gente nem controla,
só se abandona,
e navega
e flutua
- enquanto pode.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

[...]


Sobre a mesa uma pasta,
uma bolsa, um guarda-chuva preto (e um céu que não queria chover), adoçante, açúcar (esqueceste de pedir o mascavo), sorrisos largos, uma bandeja "suicida", uma fatia gigantesca de torta (que tu juraste que não comeria inteira), um café com leite, um expresso duplo, pequenos goles, grandes planos. E quatro mãos que matavam a saudade.
- um dia, casa comigo?
- caso.


[...]

- Saudade


Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Um tapa, um soco, um pontapé, doem.

Dói bater a cabeça na quina da mesa,
dói morder a língua,
dói cólica, cárie e pedra no rim.

Mas o que mais dói é a saudade.

Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade de um filho que estuda fora.
Saudade do gosto de uma fruta que
não se encontra mais.

Saudade do pai que morreu,
do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida
é a saudade de quem se ama.

Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida.

Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem
se verem, mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade,
mas sabiam-se onde.
Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem
vê-lo, mas sabiam-se amanhã (...)

Saudade é basicamente não saber.

Não saber mais se ela continua fungando
num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa
daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista
como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa
daquela mania de estar sempre ocupada;

se ele tem assistido às aulas de inglês,
se aprendeu a entrar na Internet
e encontrar a página do Diário Oficial;
se ela aprendeu a estacionar entre dois carros;
se ele continua preferindo Malzebier;
se ela continua preferindo suco;
se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados;
se ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor;
se ele continua cantando tão bem;
se ela continua detestando o MC Donald’s;
se ele continua amando;
se ela continua a chorar até nas comédias.

Saudade é não saber mesmo!
Não saber o que fazer
com os dias que ficaram mais compridos;
não saber como encontrar tarefas
que lhe cessem o pensamento;
não saber como frear as lágrimas diante de uma música;
não saber como vencer a dor
de um silêncio que nada preenche.(...)

É não saber se ele está feliz,
É não querer saber se ele está mais magro,
se ela está mais bela.

Saudade é nunca mais saber de quem se ama,
e ainda assim doer…
Saudade é isso que senti
enquanto estive escrevendo
e o que você, provavelmente, está sentindo
agora depois que acabou de ler.

Miguel FalaBella