quinta-feira, 29 de setembro de 2011

eu deveria ter vergonha de falar de tristeza
nem sei o que é tristeza
de verdade
mas não

há coisas maiores (piores)
mas a comparação não dissipa
a pedrinha no sapato
que aperta o espinho
preso na unha
encravada
do pé
torto

Ela sorria porque sabia que chorar não adiantaria.

(...) Ela sorria porque ela queria disfarçar. Estava cansada de ter que dar explicações de tudo que acontecia em sua vida. Não queria contar os seus problemas, não queria ter problemas, não queria se importar.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

"Ô menino só quero te dizer que tenho medo,

(...) dessa felicidade que você me oferece de bandeja. Que me conforto em ser poeta desiludida, e adoro ver o mundo com suas cores reais. Me deixa quieta aqui, deixa. Me deixa ser eu apenas. Não se apaixone, não se aproxime. Não nasci para desapontar almas, mas não posso te trazer para o meu coração. Ele não aceita visitas desse tipo. Sinto muito. Ele é rotineiro e se acostumou a ser só. Dá menos trabalho, sobra mais tempo, mais sonhos. Mais eu."

terça-feira, 13 de setembro de 2011

ele e ela

Ele nasceu homem, ela mulher. Os dois se viram, pela primeira vez, às margens de um rio. Ele de um lado, ela do outro. Eram de grupos diferentes. Ele passou a trazer o que caçava e mostrar para ela. Ela fingia que não via. Ele atravessou o rio e copularam enquanto ela bebia água. O ritual passou a se repetir todos os dias. Levantar a caça, atravessar o rio, copular e ir embora. Um dia, um animal com longos dentes apareceu no lado dela do rio. Começaram a correr. Ela tropeçou e caiu. Pediu ajuda. Ele fugiu.

Ele nasceu homem, ela também. Os dois eram amigos e irmãos, um da esposa número três, o outro, da quatro. O pai viajava muito, comerciava peles para a tribo. A amizade terminava sempre que o pai voltava para casa. Ambos competiam por sua atenção. Iriam se tornar homens no mesmo dia. Saíram pela savana. Deveriam voltar com caça em 4 dias ou não voltar. Ele conseguiu pegar algo no primeiro dia. Ela desesperada, roubou a caça dele na terceira noite. Ela voltou para casa, ele não.

Ele nasceu mulher, ela também. As duas eram escravas do mesmo mestre. O mestre era bom, ao menos, tão bom quanto um mestre pode ser com suas escravas. Elas trabalhavam lado a lado nas oliveira e preparavam juntas o azeite. Um dia, ele quebrou um jarro de azeite e jogou a culpa nela. Dormiu com o mestre para que acreditasse em sua palavra. O mestre acreditou. Ele continuou vivo, ela não.

Ele nasceu mulher, ela homem. Ele era a mãe dela e de outros nove, todos homens. A família tinha um vinhedo e a vida era boa até a morte do pai. Como era o mais velho, ela deveria tomar conta da propriedade. Passou a ir até a cidade para vender os vinhos. Passou a jogar dados. Perdeu tudo e fugiu para a capital. Ele foi expulso de casa e morreu de frio durante o inverno.

Ele nasceu mulher, ela também. Ele era a parteira da vila. Quando ela nasceu, escorregou da mão dele. Ele não contou para ninguém. Os oito anos em que sobreviveu, ela foi alvo de zombarias de todas as crianças, pelo seu crânio deformado e intelecto reduzido.

Ele nasceu homem, ela também. Os dois eram soldados na mesma guerra, mas em lados contrários. Estavam no mesmo campo de batalha quando foi dada a notícia de que a guerra terminou. Ela estava com ele em sua mira e atirou mesmo assim. Ele morreu numa trincheira, longe de casa.

Ele nasceu homem, ela mulher. Ele a viu pela primeira vez no bar, pedindo uma bebida. Ele se aproximou e, ironicamente, perguntou:

- Oi, tudo bem? A gente já se conhece de algum lugar?